Croácia: Dubrovnik e Plitvice

Dubrovnik

“Nós costumamos dizer que quem pisa nas canaletas não se casa”, avisa a guia Natasa, enquanto aponta para as valas que correm ao lado do calçadão. “Não sei se funciona, mas eu nunca pisei. E estou de casamento marcado para a semana que vem.” Não sou supersticiosa, mas, na dúvida, piso longe – e Natasa também, para não estragar os vinte e poucos anos de simpatia cumprida à risca. Nascida e crescida em Dubrovnik, ela é uma mulher de sorte. Enquanto uma centena de casais chega todos os anos à cidade para selar os laços e emendar a lua de mel, ela teria o próprio “quintal” de casa como cenário para o seu álbum de casamento. Dubrovnik, afinal, é romântica. Inspira paixões com uma paisagem difícil de acreditar, enquadrada por muralhas de pedra à beira de um Mar Adriático azul-absurdo.

A rua das tais canaletas casamenteiras é a Stradun (ou Placa), principal da Cidade Velha e exclusiva para pedestres. A via de calcário foi aterrada há um punhado de séculos; antes disso, não era mais que um estreito canal de mar separando uma ilhota do continente. Foi ao redor da Stradun que prosperou a República de Ragusa, fundada no século 12 a partir de um vilarejo de pescadores eslavos e refugiados gregos. Ao longo de sua história, a cidade-estado passaria ainda pelo domínio de venezianos, franceses e austro-húngaros.

Dubrovnik é isso: uma síntese poética do passado bélico da Croácia, que, desde sempre, viu-se alvo da cobiça dos vizinhos europeus. Uma guerra avassaladora entre 1991 e 1995, quando o país buscava se tornar independente da Iugoslávia, foi a mais violenta e traumática de sua história – 10 mil croatas morreram em ataques sérvios e montenegrinos. Em homenagem à memória deles, as marcas de bomba continuam sinalizadas em Dubrovnik, que chegou a passar por um cerco de sete meses. Mas a cidade foi brava e seguiu à risca seu lema centenário, como se lê gravado na fortaleza de Lovrijenac:
“A liberdade não se vende nem por todo o ouro do mundo”.

Hoje, um memorial de guerra coroa o topo do Monte Srd, onde vários combatentes tombaram – toda a história está documentada no Museu da Guerra Croata pela Independência, ocupando um antigo forte. Ali se chega de teleférico, passeio imperdível também por causa da paisagem: do alto, a Cidade Velha se revela um irresistível emaranhado de ruelas espremidas dentro das muralhas. Tomando um vinho no restaurante Panorama enquanto os olhos devoram a vista lá embaixo, entende-se perfeitamente por que o escritor inglês Lord Byron apelidou Dubrovnik como Pérola do Adriático.

King’s Landing da vida real

São elas, as muralhas, que respondem pela única ligação atual com a guerra – desta vez, fictícia. É que Dubrovnik serve como cenário para a série Game of Thrones, tão cinematográfica que é. Com seu jeitão medieval, ela faz as vezes de King’s Landing e deve aparecer novamente na sétima temporada. Do século 10º, os muros são adornados com 16 torres, 15 fortes e 130 canhões escancarando-se para o mar aberto. A caminhada sobre os paredões segue por dois quilômetros de extensão e até 25 metros de altura. Em alguns pontos, menos hostis a quem tem vertigem, viram uma espécie de calçadão suspenso com seis metros de largura.

A Cidade Velha deve ser apreciada não só do alto, mas também a pé – e apenas a pé, já que carros são proibidos. Ali dentro, alheias ao desenvolvimento urbano que se espalha ao redor, vivem 2 mil pessoas (outras 40 mil moram na parte moderna). São casas do século 16, cujo térreo dá lugar a restaurantes fofos (como o Proto, de frutos do mar) e lojas de produtos locais – suvenires, joias, doces, especiarias (os azeites e os vinhos croatas são divinos!)… Mas se a pequena população intramuros dá a impressão de calmaria e sossego, alto lá: no verão, com a chegada em massa dos cruzeiristas, a missão de andar pelas ruelas sem esbarrar pode ficar difícil.

Lotam-se os 300 metros de extensão da Stradun, que corta a cidadela de ponta a ponta. Ou, melhor dizendo, da Porta de Pile à Porta de Ploce, as duas entradas medievais que seguem preservadas. A Fonte de Onofrio marca a primeira delas, parte de um engenhoso aqueduto de 1438, de onde até hoje brota água fresca trazida de uma nascente – um alento para os dias tórridos de julho e agosto, quando as temperaturas podem bater os 30 ºC.

No outro extremo da Stradun, ao lado da Porta de Ploce, eis um sobrevivente do terremoto que, no século 17, destruiu quase toda a cidade: o Palácio Sponza, de 1522, que já foi alfândega, armazém e casa da moeda. Hoje é instituição cultural, guardando os arquivos nacionais e ostentando a bela torre do sino. Vizinho, o Palácio do Reitor, do século 15, servia de residência oficial para o governante da República de Ragusa, cujo mandato de apenas um mês exigia reclusão total para evitar corrupções. O edifício gótico, com elementos renascentistas e barrocos, atualmente funciona como museu de mobiliário, moedas e objetos de época.

E então, justo na hora em que nos aproximamos da Catedral da Assunção da Virgem, uma noiva de véu e grinalda posa para fotos com o noivo a tiracolo, ovacionada por uma legião de turistas de câmeras em punho. Natasa não diz, mas fica ansiosa ao ver a cena, comum nas ruas da Cidade Velha, já antecipando o seu próprio grande dia. Discreta, ela sorri, segue para dentro da igreja barroca do século 17 e aponta para o altar. Não é de casamento que ela quer falar, é de arte. Ali resplandece uma pintura de Ticiano, de 1552, representando a Assunção da Virgem. Há, ainda, outros tesouros em uma pequena sala ao lado: são relíquias de São Brás, padroeiro de Dubrovnik, como seu crânio e um osso do braço protegidos em armaduras de ouro.

Já no Mosteiro Franciscano, a atração é mais estética que religiosa: a farmácia anexa, que se diz entre as mais antigas do mundo, é famosa pelo seu tradicional creme facial antirrugas. Pensando no futuro, compro o meu e alguns outros para dar de presente – é bom levar a sério fórmulas medievais que perduram até hoje, sejam cosméticos ou simpatias matrimoniais. Natasa, afinal, nunca pisou nas canaletas e se casaria dali a uma semana.

Estique até Cavtat

A cidade que deu origem a Dubrovnik hoje é uma opção mais tranquila e barata que a vizinha famosa, a 20 quilômetros. Pequena e charmosa, tem calçadão à beira-mar e duas atrações que merecem visita: a casa do pintor croata Vlaho Bukovac, agora museu, e o opulento mausoléu da família Racic. Nas redondezas, vale parar no restaurante Konavoski Dvori, que esbanja belos frutos do mar em uma pitoresca área externa, à beira de um riacho e perto de um moinho.

Praia? Tem, sim!

A praia mais famosa é Banje, perto da Porta de Ploce. Tem dia que é mais de areia, tem dia que é mais de pedrinha – depende da maré. Cadeiras, guarda-sóis, espreguiçadeiras, jet skis, duchas: tudo está disponível para aluguel. Já a Ilha de Lokrum, a poucos minutos de barco desde o porto antigo, tem praia nudista; um lago que é uma miniversão do Mar Morto, facílimo para nadar; uma colônia de pavões e um jardim botânico. E também há um velho mosteiro que surge como a cidade de Qarth em Game of Thrones – o centro de visitantes da ilha guarda, inclusive, um trono de ferro como o da série. E já que Dubrovnik é um destino de praia, é de se esperar que existam hotéis e resorts de padrão internacional – concentram-se principalmente em bairros como o badalado Lapad. Um dos mais renomados é o Excelsior, cinco estrelas de 1913 que fica a cinco minutos de caminhada do centro antigo. Ainda é possível se hospedar na área dentro das muralhas – pagando um pouco mais, obviamente, mas garantindo a chance de aproveitar de forma tranquila o cair da noite (quando, aliás, a iluminação confere ao centro histórico tons ainda mais mágicos).

Plitvice

A 150 quilômetros da capital Zagreb, fica uma atração de peso do turismo croata: o Parque Nacional dos Lagos Plitvice. Pode ser uma parada no meio do caminho até Split ou Dubrovnik, mas também rende um pernoite para descansar antes de seguir viagem.

Patrimônio da Unesco desde 1979, a área florestal de 300 km2, no coração dos Bálcãs, é formada por 16 lagos em diferentes níveis (12 superiores e 4 inferiores), que se interligam por cascatas.

A cor da água varia conforme a quantidade de algas e minerais presentes – pode ir do acinzentado ao turquesa. Inconstantes também são as cascatas: a água escorre por formações rochosas sedimentadas, que se moldam e remoldam, dando origem a novas e diferentes quedas, podendo até congelar no inverno. A mais alta delas é a Veliki Slap, com 78 metros.

Para conhecer o parque, existem várias opções de trajeto que não, necessariamente, precisam ser feitas com guia. As trilhas percorrem o interior da vegetação e seguem contornando ou atravessando os lagos, em passarelas de madeira, balsas ou barquinhos e bicicletas alugados.

Mudando de cara em cada estação do ano, a floresta abriga pássaros, linces, veados, lobos, martas (kunas, em croata, que dão nome à moeda nacional) e ursos marrons – estes, símbolos do parque. No inverno, as montanhas ao redor viram estação de esqui.

Como quase tudo na Croácia, a ligação com a guerra é forte: no domingo de Páscoa de 1991, morreu em Plitvice a primeira vítima croata em conflito contra os sérvios. Mais tarde, o parque passaria a integrar a lista de patrimônios mundiais em perigo – tomada por rebeldes, a área foi infestada de minas, desativadas ao fim dos conflitos (de qualquer forma, não é aconselhável se embrenhar sozinho pela mata).

Para quem quiser pernoitar por aqui, há quatro hotéis administrados pelo governo dentro do complexo, além de áreas de camping. Também há diversos restaurantes e cafés espalhados pelo parque.

Fonte: Blog do Guru

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